sábado, 8 de fevereiro de 2014

Carta pra São Paulo.



Às vezes é uma sensação de abandono, como se fosse impossível haver qualquer tipo de companhia. Tudo aqui te engole, das pessoas ao metrô às noites quentes, os dias longos. Você se torna um diante toda a multidão e seu único diferencial é invisível aos olhos de quem passa sem te perceber. Você aprende a doer e a sorrir sozinho, também aprende a caminhar sem companhia ao lado. Aqui, companhia, é raro. As coisas mudam muito repentinamente também. Um dia a parede é limpa, no outro existe uma pichação e no seguinte já existe um lamb. Tudo é interessante. Tudo aqui é perecível. Tudo.

Mas você se descobre também. Andar por aqui é sair da zona de conforto, é descobrir que ou você deixa o medo de lado, ou vai acabar perdendo uma oportunidade incrível. É sair, descobrir todo dia algo novo e também, não descobrir. A zona de conforto que você tanto fugiu acaba te cercando rapidamente por aqui. Tudo é longe e quando menos espera você segue uma rotina acomodada, sem querer a rua atrás da sua casa acaba sendo uma rua desconhecida, pois nunca imaginou que ali teria algo que acharia útil. Mas acredite, tem. 

O triste, sinceramente, é virar mais um na multidão. Um zumbi desesperado para não chegar atrasado ao compromisso e mais desesperado ainda para depois chegar em casa. Você anda depressa mesmo quando gostaria de ir devagar. Desvia das pessoas, pois elas realmente não desviam de você. Infelizmente, também aprende a não reparar em mais ninguém e nem em mais lugar algum. Às vezes, você passará pela rua que sempre passa a pé e vai descobrir um restaurante muito bom e vai se perguntar o porquê de nunca ter visto antes. A resposta é sempre clara – você deixou de olhar, você só vê.

Vê. Vê o dia passar, as pessoas irem e virem, a cerveja acabar, o cigarro apagar, as contas chegarem. Vê a vida se arrastar um dia depois do outro. Começou a se preocupar mais com coisas banais como ir ao mercado para preparar a nova dieta, ao invés de reunir os amigos e deixar a noite virar dia. A cidade então, te consumiu. Você se deixou no cinza. Você se esqueceu, aprendeu a falar apenas o necessário e a não se importar com os demais. Deixou de olhar à sua volta.

Quando então começa a encaixotar suas coisas, a dorzinha do abandono te assombra de novo. Mas desta vez não é o mundo que te abandona, não. É você, deixando abandonado algo que nunca imaginou que realmente faria falta: São Paulo. No meio de todo o caos, você descobre um boteco, você descobre uma banca de jornal, um café, um amigo. No meio do metrô lotado, você se da conta de como todos ali são diferentes e tão iguais. Você caminha na Avenida Paulista e encontra um mundo inteiro em apenas algumas quadras. A cidade te engoliu, mas é aí que você realmente a descobre. 

Descobre a feira de comida e bugigangas, descobre o restaurante, o bar, o prédio em que gostaria de morar. Descobre a rua gostosa de passar e a sorveteria. Você descobre o que nunca viu e talvez, nunca verá. Se torna capaz de se perder no próprio bairro, na própria rua e achar incrível quando se encontra. Se torna um turista, da própria cidade em que vive. Sai da bolha, entra na bolha, tem medo, perde medo. Começa gostar, começa a odiar. Assim segue uma vida dura. Uma vida passada, que dói, que sangra, muitas vezes faz chorar. Mas vive. Sai da zona de conforto, conhece pessoas, muda o mundinho, sacode a poeira. Aprende a amar.


São Paulo, 1º de fevereiro de 2014. 12:37

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