quinta-feira, 26 de junho de 2014

Histórias que poderiam ser reais.




Passava das duas da manhã e a campainha soou forte. A menina estalou os olhos, sentou na cama sem entender o que acontecia e foi zonza até a porta. Errou a chave uma, duas, acertou. Acendeu a luz, abriu a porta. Olhou, analisou, acordou. Do lado do corredor um garoto alto e magro, de cabelos e olhos castanhos, com roupas de quem estava em casa e chinelo de dedo, a olhava.

- Eu estava aqui por perto, ia pedir um táxi pra voltar pra casa, mas pensei em passar aqui antes. – disparou o garoto – Ver como anda você.

A menina ainda o olhava com olhos arregalados. Sua boca abria e fechava, procurando palavras, argumentos ou qualquer coisa.

- Desculpa. Sei que não deveria ter vindo. Foi impulso. – continuou ele, percebendo a falta de reação dela.

Se encararam mais uns instantes e por fim a garota conseguiu falar.

- Não, tudo bem. Só foi uma surpresa, não esperava por ti... Por ninguém na realidade. – olhou pra dentro do pequeno apartamento, que pelo qual estava uma bagunça – Se quiser entre, por favor.

O garoto entrou e esperou ao lado dela, até que ela fechasse e trancasse a porta. Ela então acendeu a luz da sala, abriu a janela e se sentou no sofá. Ele a imitou e sentou ao seu lado.

- Então, o que estava fazendo por aqui? – enquanto acendia um cigarro – Quer uma cerveja, um vinho, alguma coisa?
- Saí com uns amigos aqui na rua e terminamos no bar da outra esquina. Quando fui pedir um táxi olhei pro seu prédio e resolvi passar aqui. Aceito uma água.
- Ah legal! A rua anda bastante agitada nesse começo de ano, o calor atraí as pessoas. Ando bastante por ali também, saio cedo do trabalho então sempre posso combinar uma cerveja de final de tarde.  – abrindo na pequena cozinha a geladeira e pegando uma garrafa de água.

Ela sentou no sofá de novo e entregou a garrafa para o garoto. O analisou por um tempo, soltando devagar a fumaça do cigarro.

- Seu cabelo cresceu. – disse por fim para o menino.
- É, deixei pra ver como ficava. O seu também cresceu, tá enorme. Mudou algumas coisas por aqui também, começou a escrever no quadro. – analisando a pequena sala.
- As coisas precisam mudar. – sorrindo - Mas me diga, de verdade, o que o trouxe aqui?

A garota parecia perfurar os olhos do garoto, como se antes da resposta dele, ela já entendesse perfeitamente o que acontecia ali.

- Soube que vai voltar. – olhando os pés.
- Sim, cansei daqui. Sinto falta de casa, das pessoas, da nossa cidade. Lembra como éramos felizes? Sinto falta do sol iluminando nossos dias. De tudo ser melhor. – ela disse esmagando o cigarro no cinzeiro.
- Eu sinto falta da gente. 

A garota simplesmente parou e tentou compreender o que ouviu. Seu coração saiu repentinamente pela boca, apertou uma mão junto da outra e virou o rosto para o lado tentando evitar o olhar do garoto.

- Depois desse tempo todo? – perguntou ela.
- Nunca deixei de sentir, – fazendo a garota o olhar – mas eu simplesmente não conseguia falar contigo. Afinal era um erro eu sentir falta, pois éramos um desastre juntos. Só que agora você vai embora e eu...
- E agora você irá ficar sozinho. Assim como eu fiquei quando terminamos, não é mesmo?

Os dois se olharam e mesmo com lágrimas, ela aguentou o olhar dele. Ela havia esperado por esse dia por muito tempo, ela pediu tanto para que ele sentisse a sua falta. Mas doía muito saber o tamanho dessa falta que agora declarava existir.

- Tentar te esquecer foi a coisa mais difícil que eu já fiz e agora você vem dizendo que sente e sempre sentiu falta, que enquanto eu tentava seguir a minha vida você também tentava e também não conseguia? Que durante esse tempo todo que eu tentei pintar de azul o meu céu, que esse tempo todo eu sentia desabar quando eu via que você tava bem e eu continuava ali, lutando contra a maré. Eu só tentei te esquecer, esses meses todos. Dia e noite.

Ela soluçava, suas bochechas rosadas exaltavam mais ainda seus olhos. O garoto a olhava com ares de quem não sabia o que dizer, apenas pegou sua mão e enxugou suas lágrimas.

- Não me culpe por tentar sorrir sem ti e nem você por tentar viver. Mas sentia saudades. Sentia seu cheiro nos meus travesseiros, escutava sua voz de madrugava. Te procurava de noite, te encaixava. – enfim disse o menino.
- Você não sabe como tudo aqui doía e ainda dói por você estar tão longe. Meu bem, você ainda é fogo dentro de mim. Eu implorava todos os dias para que você voltasse, eu sentia raiva do mundo por ter te apagado da minha vida antes de eu te apagar da minha memória.
- Então volta, meu bem. Volta.
- Eu nunca fui embora. Foi você quem quis partir.


Curitiba, 21 de julho de 2014. 01:03

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Desatados.



Eu te imploro – vá! Abre a porta e vá, não me importo pra onde, mas não volte mais aqui. Já senti desgosto demais acreditando que tudo isso um dia viria a nos calhar, mas acontece que para ti isso nunca acontecerá. Então eu te juro, pega o seu sorriso esbranquiçado, pega suas mãos tatuadas e sua voz doce, faça as malas e não queira mais voltar. Não quero mais ouvir sobre o conto de fadas que criou para nós, sei que loucamente desejamos algo maior e mais completo que apenas isso que vivemos – você não pode mais roubar meu coração.

- Deixa isso – sussurrou a garota olhando o chão.
- Queria poder lembrar da gente. – ele a olhava confuso.
- Nunca estivemos juntos! Você não pode... Você não tem o direito de lembrar do que nunca foi. Eu fui sozinha, você me deixou sozinha.
- Não era pra ser assim. – o garoto fechava a sua mochila e a colocava em suas costas.
- Por favor, só te peço pra deixar isso. Vai. Vai antes que seja tarde demais. – pegando da mão do garoto o que segurava.

Você não pode levar mais nada de mim, nada da gente. Guarda no teu coração o vazio, o mundo que a gente perdeu de viver. Deixa minha dor e solidão comigo. Vai embora de uma vez, por favor. Sai da minha casa, sai da minha vida, sai daqui de dentro de mim. Se apague, por favor! Apaguem minha memória, desapareça! Sai, sai que nada aqui te pertence, nada aqui  te pertenceu. Deixa meu coração, deixa. Vai! Deixa eu me esquecer de você também.

No chão uma foto, era começo do inverno. Dois sorrisos serenos estampavam, dois pares de olhos brilhavam, duas pessoas – eles.


Curitiba, 27 de maio de 2014. 20:51