quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Para o nosso não mais aniversário.



Eu gostaria que você tivesse feito planos comigo, tivesse vontade de sermos mais um daqueles casais que tem histórias deliciosas pra contar aos filhos e aos amigos, ao longo da vida. Gostaria de ter arrasado seu coração, de ter te feito ficar com um simples “fique”. Poderíamos ter nos mudado para qualquer lugar do mundo, mas sempre saberíamos a delicia de estar perto de casa e valorizaríamos isso. Teríamos sido mais, se nos fosse permitido mais tempo, mais amor, mais vontade.  Seríamos peças raras, como na realidade, já éramos quando o tempo ainda era nosso.

Hoje, o café eu ainda coo, o bolo volte e meia eu faço, sempre de chocolate, claro. Sem você as coisas... As coisas vão, sabe como? Tem piadas que não tem mais tanta graça, mas eu rio mesmo assim, pois sei que rir cura qualquer coisa. Mas parei de tentar fazer o franguinho que você fazia. Na realidade, carne, saiu da minha dieta. Experimentei muitas cervejas, algumas vezes dividi garrafas, mas quase sempre fui só. Não saberia dividir cerveja tão bem como dividia contigo. De noite me faltam braços que me abraçam e costas pra me encaixar. Dia desses, ri ao lembrar dos roncos seus. Acordei magoada com a sua partida, às vezes eu ainda sinto.

Comecei a escutar Novos Baianos e Tim Maia, acredita nisso? Atualmente, a Itaipava quase não bebo, acabo sempre pedindo uma Original. Também nunca mais saí da garagem sozinha, ainda tenho medo daquela rampa. Acho que me falta você pra me tranquilizar no trânsito. A série 24 Horas, esta esquecida na prateleira mais alta do armário, ela eu só assisto junto de ti, nem sozinha. Agora à praia, eu nunca mais fui. Me lembraria demais de nós e ainda não saberia lidar. Mas sinto falta da areia e do mar. Sinto falta da casa de praia, da bagunça gostosa, dos filmes noturnos. Ontem  inclusive, passei na frente do seu antigo prédio. Vontade de entrar e lembrar dos bons momentos.

Tento entender que tipo de amor era o nosso. Antes, quando te vi fechar a porta, acreditei que não era amor, que não éramos mais. Hoje, no entanto, já penso o contrário. Acho que éramos tanto, que quando deixamos de ser um pouco, não aguentamos. Precisávamos ser apaixonados, loucamente inundados pelo amor e não podíamos mais ser isso. Mas nunca deixou de ser, nunca deixaremos. Fomos bonitos da maneira como conseguíamos ser. Nos encaixamos em todas as oportunidades. Deixamos sim o barco, mas hoje acredito que foi para nos salvar. Estávamos nos destruindo. Mas era o nosso amor, era bonito e feio, assim como todos os outros. Resistimos até a última gota do para sempre.

Seguimos em frente então. Será bonita a nossa vida e nossos encontros e desencontros. Saibamos esquecer o passado e recomeçar do zero, qualquer que seja o nosso destino a partir daqui. Tudo nos é permitido agora, podemos qualquer coisa. Só não podemos nos dar as mãos. A sua falta, eu sinto diariamente, mas tudo bem. Está tudo bem agora, não fere mais tanto assim.

Às vezes amor, é só amor.


Curitiba, 26 de fevereiro de 2014. 13:13

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Do que ainda sei.



Se fosse possível um ser humano ser uma bagunça, talvez eu pudesse me descrever assim no momento. Tenho papéis jogados dentro de mim, com cartas velhas, bilhetes, frases. Tenho horários de médicos esquecidos, livros não lidos e comidas não saudáveis apodrecendo nas prateleiras da cozinha. Guardei fotos que agora estão espalhadas pelo chão e não sou capaz de rasgar, queimar, esquecer. Eu sou um buraco negro, não tenho fundo. Jogo tudo o que acontece, sem repensar, analisar. Vivo incansavelmente, vivo pra esquecer. Só para esquecer.

Você não podia. Você não tinha o direito de voltar, bagunçar e ir embora. Você não podia tocar na parte que em mim mais dói: o coração. Eu um dia não pude sem você, cheguei a imaginar que tudo sem você não fazia, não teria sentido. Durou esse pensamento. Desisti de todos e comecei a encarar o chão. Me engoli dentro do meu próprio apartamento. E deixe-me dizer, eu realmente fui abandonada. Um dia então, eu ri de algo engraçado na televisão e amigos distantes vieram até mim. O verão chegou e eu não usei mais a bolsa de água quente pra esquentar meus pés. A televisão continuou ligada pra abafar o silêncio, mas comecei a dar sentido pro que existia sem você.

Eu nunca quis que você apagasse nossas estrelas e nem que eu gritasse seu nome quando lágrimas escorressem em minhas bochechas. Nunca teria sido capaz de te magoar tendo consciência disso. Abracei tudo o que tínhamos e éramos, cultivei o amor e nos deixei quentinhos em dias ruins. As tempestades nos atingiram então, nosso barco era frágil demais para aguentar e quando menos percebi, você estava se jogando ao mar e nadando para longe dali. Eu ainda te observei ir embora, estática, com o coração devolvido em uma mão e na outra, as escondidas, uma carta de amor que lhe entregaria.

Ainda tento te apagar, acredite. Não existe uma noite que eu não peça aos céus pra arrancarem você de mim. Pra jogarem água nesse incêndio que tomou conta do meu coração. Ainda cruzava o corredor de casa acreditando que você poderia estar ali, esperando. Esperando qualquer sinal meu, assim como ainda espero. 

Gostaria que sua partida tivesse sido menos amarga. Não precisava me envolver ainda em seus braços, sei que isso já não lhe convém. Não poderia ter sido doce. Só não deveria ser amarga.

Esteja bem, explorador.


Curitiba, 14 de fevereiro de 2014. 01:17

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Carta pra São Paulo.



Às vezes é uma sensação de abandono, como se fosse impossível haver qualquer tipo de companhia. Tudo aqui te engole, das pessoas ao metrô às noites quentes, os dias longos. Você se torna um diante toda a multidão e seu único diferencial é invisível aos olhos de quem passa sem te perceber. Você aprende a doer e a sorrir sozinho, também aprende a caminhar sem companhia ao lado. Aqui, companhia, é raro. As coisas mudam muito repentinamente também. Um dia a parede é limpa, no outro existe uma pichação e no seguinte já existe um lamb. Tudo é interessante. Tudo aqui é perecível. Tudo.

Mas você se descobre também. Andar por aqui é sair da zona de conforto, é descobrir que ou você deixa o medo de lado, ou vai acabar perdendo uma oportunidade incrível. É sair, descobrir todo dia algo novo e também, não descobrir. A zona de conforto que você tanto fugiu acaba te cercando rapidamente por aqui. Tudo é longe e quando menos espera você segue uma rotina acomodada, sem querer a rua atrás da sua casa acaba sendo uma rua desconhecida, pois nunca imaginou que ali teria algo que acharia útil. Mas acredite, tem. 

O triste, sinceramente, é virar mais um na multidão. Um zumbi desesperado para não chegar atrasado ao compromisso e mais desesperado ainda para depois chegar em casa. Você anda depressa mesmo quando gostaria de ir devagar. Desvia das pessoas, pois elas realmente não desviam de você. Infelizmente, também aprende a não reparar em mais ninguém e nem em mais lugar algum. Às vezes, você passará pela rua que sempre passa a pé e vai descobrir um restaurante muito bom e vai se perguntar o porquê de nunca ter visto antes. A resposta é sempre clara – você deixou de olhar, você só vê.

Vê. Vê o dia passar, as pessoas irem e virem, a cerveja acabar, o cigarro apagar, as contas chegarem. Vê a vida se arrastar um dia depois do outro. Começou a se preocupar mais com coisas banais como ir ao mercado para preparar a nova dieta, ao invés de reunir os amigos e deixar a noite virar dia. A cidade então, te consumiu. Você se deixou no cinza. Você se esqueceu, aprendeu a falar apenas o necessário e a não se importar com os demais. Deixou de olhar à sua volta.

Quando então começa a encaixotar suas coisas, a dorzinha do abandono te assombra de novo. Mas desta vez não é o mundo que te abandona, não. É você, deixando abandonado algo que nunca imaginou que realmente faria falta: São Paulo. No meio de todo o caos, você descobre um boteco, você descobre uma banca de jornal, um café, um amigo. No meio do metrô lotado, você se da conta de como todos ali são diferentes e tão iguais. Você caminha na Avenida Paulista e encontra um mundo inteiro em apenas algumas quadras. A cidade te engoliu, mas é aí que você realmente a descobre. 

Descobre a feira de comida e bugigangas, descobre o restaurante, o bar, o prédio em que gostaria de morar. Descobre a rua gostosa de passar e a sorveteria. Você descobre o que nunca viu e talvez, nunca verá. Se torna capaz de se perder no próprio bairro, na própria rua e achar incrível quando se encontra. Se torna um turista, da própria cidade em que vive. Sai da bolha, entra na bolha, tem medo, perde medo. Começa gostar, começa a odiar. Assim segue uma vida dura. Uma vida passada, que dói, que sangra, muitas vezes faz chorar. Mas vive. Sai da zona de conforto, conhece pessoas, muda o mundinho, sacode a poeira. Aprende a amar.


São Paulo, 1º de fevereiro de 2014. 12:37