domingo, 1 de novembro de 2015

Me afogo.



Eu não sei porque me afogo, mas eu não consigo nadar. A praia esta muito longe e não há boias, pedras ou botes para me salvar. Sinto ondas e a calmaria me parece uma falsa amiga. Não há gritos, nem ecos e nem sussurros. Há dores e sangue. Há solidão.

Solidão de dias que já foram ensolarados, lá fora e aqui dentro. Solidão de dias que já foram risadas e beijos e brincadeiras. Solidão de dias que já foram melhores. Solidão da alma que andava confortável e da voz que acalmava. Solidão do companheirismo, confiança, de laços bonitos entre nós. Solidão de planos e de coisas bonitas.

Eu me despi. Me despi de tudo o que eu era, eu te mostrei meus sonhos e meus medos. Mostrei a raiva que guardo em mim e toda a dor que já senti. Eu me despi e tentava ser honesta ao que estava acontecendo. Você me viu nua e crua. Eu tive medo e deixei você vê-lo. Eu tive fome e deixei você entender. Eu tive ânsia da vida, das coisas, do mundo e de você. Eu tive desejo de um futuro mais colorido. Eu me despi, tirei as camadas, as pétalas, as cores. Te expliquei os cortes, os hematomas e as cicatrizes. Te mostrei o meu mundo, sem medo. Mas me afoguei.

Me afoguei porque a vida saiu do eixo e a forma como eu achava que tudo daria certo, na realidade deu errado. Me afoguei quando me vi contando minhas lágrimas aos chocolates da gaveta proibida, ao invés de dizê-los a ti de noite. Me afoguei porque me joguei e desisti por semanas, não permiti nenhuma vitória e nenhuma derrota. Me afoguei porque você viu o que não deveria ver: o meu eu mais cru, sedento por luz, mas cegado pela escuridão. Me afoguei porque eu cai e não soube mais levantar. Me afoguei porque tive medo.

Eu te permiti entrar tão afundo que você viu o que nunca ninguém tinha encontrado. Eu afoguei.


Dublin, 1º de novembro de 2015. 21:31

domingo, 21 de junho de 2015

Estragada.



Estraguei tudo. De novo. Lá fui eu, desfilar com portas batidas e gritos exagerados, um coração pesado como o meu. Ensanguentei minhas mãos com sangue de quem não deve. Fiz chorar esperanças e armei decepções. Pincelei de preto um amor vermelho e esburaquei uma paixão bonita. Lá fui eu, acidar a vida um pouco mais. Só porque estava tudo colorido. Tudo em paz. Amarrei o nó e travei guerra. Perdi a batalha e ateei fogo em nós. Despedacei. 
 
Inicia o tempo das decepções. O momento da vida, onde eu corro contra o relógio. Onde se vai dormir sem boa noite e as noites tão frias quanto gelo. Inicia-se o período em que eu tento me desculpar e tapar os buracos que meus erros fazem. Não quero te calar, mas mesmo assim você se cala. Meu grito não te ensurdece, só te desmonta. Aos poucos vai me abandonando, como outros fizeram. Porque de novo. Sim, de novo. Eu estraguei tudo.


Dublin, 21 de julho de 2015. 17:41

domingo, 19 de abril de 2015

Pra você nunca ler.

Eu queria que você pudesse ler o que te escrevo. Queria que você tivesse lido qualquer coisa doce que te escrevi e que você tivesse ido embora assim, com essas palavras na sua memória. Eu queria que a vida não tivesse sido tão cruel quando se tratou de nós dois e que, de alguma maneira, eu sempre te tivesse por perto.

Eu queria ter certeza que você guardou boas lembranças minhas; nossas. Queria ter certeza que você soubesse o quanto você marcou na minha vida e que nunca nada e nem ninguém te apagará de mim.

Antes de você ter ido, eu queria que você simplesmente tivesse ficado, porque esse mundo é menos bonito sem ti, brotinho. 

Queria, ah como eu queria, que nós tivéssemos crescido e que aqui e lá enviássemos algum sinal, algum bilhete, qualquer coisa dizendo 'oi, hoje tô indo embora daqui, vou me mudar' ou 'oi, hoje meu filho nasceu'. Não sei, sorrio só de imaginar o que poderíamos contar um ao outro, numa vida que nunca de fato nos juntou, mas que nos uniu há 13 anos atrás.

Sei que os anos vão passar e com o tempo o que já não é tão mais fácil de lembrar, talvez se perca aqui ou lá. Os detalhes das nossas lembranças vão ficar cada vez mais embaçadas e o som da tua voz vai se misturar com outros. Mas espero que eu nunca me esqueça dos teus abraços e nunca me esqueça do tanto que senti por ti. Espero que eu sempre te guarde no coração e que ao lembrar do passado, você seja uma das histórias mais gostosas de contar. Espero que de alguma forma eu ainda sinta você por perto.

A vida assim segue, do mesmo modo que seguiu após eu te dizer tchau há 13 anos atrás. A dor que eu senti aos meus 14 anos, também é a mesma de agora. 

Encontro boas lembranças nossas por aí e quando lembro de ti, sorrio. A vida continua, ainda que devesse ter parado por um tempo. 

Eu sei da minha intensidade, das vezes que derramo sentimentos pra fora de mim e espero, honestamente, que você tenha reparado nisso. Pois, se um dia você entendeu todo o furacão que tem aqui dentro, talvez entendesse tudo o que você significou para mim.

Eu realmente queria que você tivesse lido tudo o que eu escrevi sobre ti e queria que tivesse ido embora com as minhas palavras mais doces gravadas em sua memória. 

Queria ter te escrito e te dito tantas coisas ainda... Mas nessa vida, ah Fi, nessa vida eu não tive tempo de te dizer.


'you don't know how lovely you are'



segunda-feira, 16 de março de 2015

O restante do que acabou. Finalmente.



Eu, um dia, havia lhe pedido calma. Hoje, porém, eu sou pressa. Estou do outro lado do oceano e não sei nem de onde eu ainda não tirei saudade. Talvez seja porque simplesmente não tem, mas tá tudo bem. Deixa que é melhor e o amanhã já vem. Te pedi um dia para que você ficasse, mas você não quis, disse que já era hora de partir. Eu, no entanto, fiquei. Fiquei por meses, anos, bem... até agora. mas agora eu parto. Vim para tão longe que nem me procurando você me acharia. 

Hoje eu estou aqui, nesta cidade que é de verdade cinza, chove sempre e é frio. Mas estou tão bem, tão leve, que meu café que já vai esfriar não me incomoda e as coisas que tenho de fazer, não se amontoam. Eu estou aqui.

Um dia eu jurei que você não iria tirar suas coisas da minha gaveta e que seu número de telefone não ia deixar de existir. Não imaginei que iríamos ser estranhos numa cidade que já estivemos juntos. Não imaginei que essa viagem você faria sem mim e nem eu, nunca imaginei, que um dia iria embora sem você dali. Pois bem, eu fui. 

Um dia eu briguei contigo sem razão e cortei laços, despedacei memórias, te fiz chorar. Hoje, eu não consigo te tirar do coração. Desde que você passou por aquela porta, você seguiu a sua vida, entendeu que eu não fazia mais parte de ti e eu, continuava ali, torcendo pra te encontrar por acaso no metrô ou na rua ou na faculdade. Eu não desisti de você.

Um dia eu havia jurado que amor assim tão grande não se despedaçava e achava que estava tudo bem se brigávamos. Amor grande não deixa de ser amor, mas deixa de arder como brasa quente. Eu desisti de você no momento que eu cheguei aqui. Te deixei aí, nesse Brasil ensolarado, nessa praia sem fim, com quem você agora achou. Eu, porém, estou aqui tão longe que você não me vê no horizonte e meu número de telefone já não serve mais. 

Um dia, eu te escrevi coisas bonitas, hoje eu sinceramente, só quero te esquecer. Que viva uma vida plena, feliz, mas por favor que eu não saiba dela. Eu não preciso saber que vai viajar com a garota que antes era apenas a tua amiga, também não preciso saber que teu coração já sentiu a minha falta e nem que no feriado que choveu visitou seus pais. Não preciso saber de mais nada, não quero saber. Me perdoe, mas me deixe aqui com a minhas unhas quebradas e meus lábios rachados. Me deixe aqui, acreditando de todo o coração que você se perdeu nesse mundo e que nunca mais irá me aparecer. 

Naquele último dia você não me respondeu, me disse mais nada e eu ainda assim fiquei ali, verificando se o telefone estava com linha. Hoje, no entanto, eu tirei o telefone da tomada e vou me perder nessa cidade, nessas ruas. Sem você.


Dublin, 25 de fevereiro de 2015. 12:34

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Somos?



A sua imagem me sufoca e o som de Miles Davis parece acompanhar a tua ausência, pedindo que aquele vinho que nunca abrimos seja aberto – era pra alguma data especial. A calada da noite cai e lá fora chove, não se vê um palmo a frente, por isso não procuro você. Sei também que mesmo que eu procurasse você não viria, não ligaria também. Talvez enviasse uma carta, explicando das saudades. Explicando que um dia chegamos a ser todas as cores do mundo, mas que hoje somos folhas percorrendo um jardim em ventania, não sabendo se seremos ou não.

Doce solidão que a tua ausência me presenteou. No dia que você foi embora, aprendi a abrir uma cerveja – daquela que tanto gostávamos -, acender um cigarro e olhar pra fora da janela, ver o mundo todo acontecer, enquanto eu só me mantinha ali, parada. Depois que você foi embora, fiz do meu apartamento um maior abrigo. Era calmo, sereno, mas nunca silencioso. Tomava banho com o disco dos Novos Baianos, acendia um cigarro ainda de toalha ao tocar Tim Maia e, às vezes, com muito calor eu fechava as cortinas e percorria nua, dançando entre a fumaça e a mão que segurava o copo, o som daquela música que nunca tivemos a chance de dançar.

Eu fui pena, fui ancora, fui página esquecida. Fui tinta seca até aquele dia em que dobrei a esquina, te procurando e te encontrei. Finalmente, depois de tanto tempo, a esquina me deu o que tanto ansiava ver: teu sorriso. Acho que amorteci e enquanto você falava, me peguei pensando nas noites em que a minha cama foi grande demais para nós dois e que o tempo que tínhamos era sempre tão curto. Lembrei daquele dia que vi seu rosto sorrir pro meu na multidão do metrô, e aí pegou a minha mão. Ficou. 

Depois de tanto tempo, eu não senti mais a sua ausência, apenas o seu silêncio, como se estivesse me observando calado dali da cama, enquanto eu quase rasgo o papel com o lápis. Usando apenas o teu sorriso. 

Eu dancei com a minha solidão, você dançou com a sua? Entre passos arrastados e apertados, tropecei, rasguei a pele do joelho e eventualmente das mãos, mas curei sozinha. Foi necessário não te procurar quando chorei sangue e sangrei lágrimas. Foi necessário entender que a vida continuava bonita, talvez mais vazia e diferente, porém, tão bonita quanto.

Adormeci em seus braços aquela quinta-feira e teria adormecido de novo na sexta-feira e no sábado e agora. Quando confessei não querer voltar e você disse para eu ficar, quase perguntei se eu poderia ocupar o lado esquerdo da tua cama. Naquela manhã eu abri os olhos e vi você, notei que apoiava meu braço em seu ombro, igual como era antes, lembra? Encaixei em ti de novo, como há muito não encaixávamos. 

E agora, enquanto o disco do Miles Davis continua percorrendo minha madrugada, eu não consigo entender mais do que eu já entendi. Talvez você tenha sentido o mesmo esse tempo todo, talvez você tenha sentido saudade. Talvez ainda exista chama, onde nem o tempo, nem outras histórias e outras dores foram capazes de apagar. Pode ser que sejamos como algo em construção. Pode ter sido uma doce despedida. Pode ser que sejamos algo sem nome, livres para sentir saudade, livre para sermos, para ir e voltar. 

Pode ser que um dia tenhamos sido doces e que ainda sejamos e ainda seremos.


Curitiba, 28 de janeiro de 2015. 01:19