sexta-feira, 4 de julho de 2014

Inteiro



Esboço o mundo que criei tão detalhadamente para o que costumava chamar de nós. Carreguei sozinha, pois pensava assim, o peso do que éramos, do que podíamos ser e até do que não seríamos. Lutei contra correntezas e deixei esquecido, em caixas de sapatos, o que nós éramos no começo: livres. Tão livres que sempre voltávamos para o mesmo sofá no final da tarde, com direito a cerveja, cafuné e casos do dia que se passou. Mergulhávamos dentro de promessas o simples desejo de sermos felizes, cumpríamos com afinco a vontade de estarmos juntos, para o que der e vier. 

Em determinado momento, nesse mundo tão bonito, me enganei com a nossa liberdade e passei a acreditar que nós dois tínhamos de ser apenas um e foi aí que o castelo começou a se desmanchar, começando pelas paredes, depois as pilastras e por fim, em meio aos destroços em que nos encontrávamos, construí um fosso fundo, acreditando que assim nos salvaria. Me enganei. Secamos a água, te mantive acurralado e esqueci que qualquer nó que agora tínhamos, um dia foi um bonito laço de algum presente que eu havia te dado. Eu cumpri com o que prometi para mim mesma – te deixei ao meu lado, mas esqueci do mais importante: seu sorriso.

Escrevi peças, diálogos, ensaios sobre o que um dia fomos. Colori em desenhos a sua alma, tinha todas as cores que eu pude combinar. Seus traços eu analisei minuciosamente, fiz como você deveria ser: inteiro. Nunca mais cansei de te traduzir em palavras prontamente sólidas e delicadas. Procurei, sempre, te fazer completo no que eu dissesse, mas nunca ao te descrever eu poderia esquecer nós dois. Pois quando te conto, eu te pinto e te escrevo da maneira mais bonita e ainda, inutilmente, acredito que uma das minhas partes preferidas em você era o fato de você poder ser o que era comigo ao seu lado. 

Hoje, engoli em seco e sem querer, você disse “vai, veja isso”. Sutilmente eu sabia exatamente o que era o que você me mostrava, sem mesmo antes ver, sentir, ouvir. Passei a te traduzir em músicas e fingia que você o fazia igual. Dizia sobre você escutando Rolling Stones e Johnny Cash e Lenine. Me perdoe, eu te engoli e deixei de ser sangue, passei a ser ar em suas veias. Eu te desmontei, te reconstruí e ainda procuro por pistas que me façam levar até você novamente. 

Sou ilha afundada que procura por portos e navios, por músicas que deixamos para trás. Quero te libertar das caixas de sapatos velhos e dos casacos esquecidos no armário. Quero te libertar daqui de dentro, quero que você dance, que sorria, que escreva, cante. Preciso que você seja completo, pra eu entender que preciso voltar a ser também.


Curitiba, 4 de julho de 2014. 14:19