domingo, 27 de dezembro de 2009

Passei vermelho, arrumei as malas.

Passei vermelho. Vermelho sangue, vermelho paixão. Vermelho, em minhas unhas. Liguei o som, deixei as músicas nostálgicas me invadirem. Deixei a saudade apertar, os pensamentos rodarem. Deixei o vazio fluir, dominar o quarto frio e mal iluminado. Deixei a mala pronta, ao lado da porta. Como se fosse escapar ou como se eu esperasse um salvador.

Salvador? Salvador do que? Um salvador do mundo, do meu mundo! Mas essa noite fará muito frio e ele não vai poder vir me buscar. Ele perdeu o avião e acabará perdendo o trem, acabará me deixando a esperar. Já até fechei a janela, que não quero olhar pra fora, não quero olhar a não-vinda. Mandei um beijo pelo vento, espero que te encontre.

Amanhã eu tô saindo, abrindo a porta. Escapando, ou seria apenas, passeando? Já nem sei mais o que faço. Deixei minha melhor roupa, para usar na última noite do ano. Deixei segredos, aqui nessa casa. Deixei desejos. Vou mudar, parar de caminhar tão tolamente. Hein, sorriso, cadê você mesmo? Acho que eu te deixei em casa ou você já está dentro da mala? A mala que já tá feita, até com cadeado.

Mas aqui tá frio, mas a neve não volta. Neva, neve. Neva! Aqui não chora, mas também não sorri. E tô me preparando para essa próxima semana. Hoje eu me fiz bonita e deixei minhas unhas vermelhas. Fiz com cuidado e o esmalte não quer secar. É vermelho sangue ou será que é sangue? Passei sangue sobre as unhas, deixei secar. Vê se pode, menina comportada, falando de sangue sobre as unhas!

Ontem eu matei algo. Matei minha vontade. Agora do que? Não me pergunte! Sou criminosa, me leve pra cadeia, pode me levar. Mas antes, me leve até em casa. Quero dar um abraço nos meus pais e na minha irmã, preciso ver meus amigos e beijar a testa do meu melhor. Deixa eu abraçar ele, bem apertado. Mas ele? Quem é ele? Não sei! Mas deixa abraçar.

Assassinei a vontade e agora escuto vozes irritantes, ácidas, ardidas. Dolorosas. Essas vozes rasgam, rasgam mesmo! Rasgaram a carne, fizeram sangrar. Foi aí, que pintei as unhas. É, deve ser.

Mas vou passar o ano novo longe daqui. Tão longe, que não posso nem acreditar! É por isso que a mala está na porta. Porém, a mala da porta é outra. A mala da porta é pra voltar pra casa, tá tudo o que não me serve mais. Mas não sei por que eu a coloquei ao lado da porta. Deve ser porque assim, qualquer coisa, é mais fácil de fugir. Mesmo se ninguém vier me buscar.

É que ninguém vem me buscar, moço. Eu tenho de ir embora sozinha. Só me falaram “vem”, mas eu to sozinha até chegar em casa. Ruim, né não? Mas não me importo, moço. Já estou sozinha faz alguns meses e voltar pra casa sozinha é até bom. Estou morrendo de vontade de abraçar todos, assim que eu sair daquele avião! Que eu não vou fazer como ele e não vou perder, moço. Eu chego pro almoço, me esperem!

Olha só, estou morrendo de vontade. Isso não me faz mais de mim uma assassina, mas sim um refém. Já que sou refém, então venham me buscar. Estou querendo chegar logo em casa. É que eu já perdi o Natal e vou perder o Ano Novo, então me levem de volta, a tempo de ver o Carnaval.

As malas já estão na porta, pode vir sem avisar. Que já estou sentada na cama, esperando alguém me chamar, mas vem logo, que a parede branca tem me deixado com sono e meu esmalte já está seco, então não tem problema de estragar. Vem? Pode vir, eu levo as malas até o portão, não precisa nem entrar. Não vou nem pular a janela, que eu não estou escapando de nada. Eu já deixei as malas me esperando na porta...


Valdagno, 27 de dezembro de 2009. 19:19

domingo, 13 de dezembro de 2009

Entre o coração e as estrelas.

Tem esse frio, que tem me atormentado tanto. Me fazendo querer ficar embaixo das cobertas e ver um filme qualquer. Aí me lembro que não estou em casa, que as cobertas não são assim quentes e não tenho uma televisão de frente a minha cama, para se gastar um domingo frio de inverno.

Minhas mãos têm ressecado e meu rosto não resiste mais ao frio. Eu tenho congelado e mesmo assim, me fazem caminhar para aquele inferno todas as manhãs. Inferno, diga-se de passagem, que é uma perna de tempo. Uma perda do meu tempo glorioso. Ah, glorioso tempo que eu tenho perdido por aqui.

Ah, não me chame de ingrata, oras! Era meu sonho, era minha vontade maior! Cruzar esse oceano, vir em busca de aventuras, de paisagens que pensei nunca ver! Andar tão longe e tão sozinha, conhecer sobre o mundo... Sobre mim! Arrancar o coração diversas vezes, para tentar manter a saudade sã. E eu queria tanto pegar logo o primeiro avião, chorar horrores na despedida! E não dizer adeus, mas sim um “até logo”.

De ousadia ou talvez burrice, abusei da minha coragem. Fiz as malas e vim! Vim em busca de todo aquele sonho. E vim em busca de dias mais ensolarados, de pessoas especiais. Eu vim buscar uma vida temporária, diferente de toda aquela que procurei viver durante 17 longos anos.

Vim a procura de amor e de olhares curiosos. Vim a procura de fotografias fantásticas, de histórias extraordinárias. Eu vim a procura de mim, que algum dia na minha vida, deixei em qualquer banco de uma praça. Eu cruzei o oceano, com horas de vôo, para encontrar a mim tão longe de casa.

O decepcionante foi chegar aqui, onde tudo é mais bonito e receber uma ligação de casa. Era eu mesma, dizendo que eu estava lá. Que fugir não fora a melhor opção. Que para encontrar a si mesmo, não é necessário fugir pelo mundo, mas sim, fugir na sua própria casa, na sua própria vida. Que quando você pensa que se perdeu, é porque você não se enxergou direito no espelho e não viu sua imagem refletida.

Acontece, que quando está tão longe de casa, enfrentando um frio glacial e uma saudade sufocante, você se põe a pensar e descobre que a perda nunca foi em outro país, em outra casa ou outra vida. Que você é capaz de se perder em si mesmo e não precisa ir muito mais longe do que a padaria na esquina, para se encontrar.

Afinal, a sua sombra te persegue pelo resto da sua vida. Você nunca vai a perder. O sol pode não nascer e a lua estar escondida atrás de nuvens, mas basta acender uma mínima luz e já se pode ver a sombra, grudada a ti. Mas para isso, precisa acender a luz.

Não, não adianta perguntar que luz será essa. De vez em quando é fácil encontrar, outras vezes difícil. Muitas vezes na vida, a tal luz, é apenas um motivo para se seguir em frente e infelizmente, você só descobre essa luz, quando você a perde. Porque é assim. A morte das coisas precisa bater na porta, para você entender o valor daquilo que existiu.

Ousadia ou não, cruzei um oceano e me arrependo honestamente de ter precisado ir tão longe, só para ver o valor das coisas que eu tenho na vida. Das pessoas. Apesar de meu orgulho não deixar admitir, também não é de meu agrado, ter de ter cruzado esse feroz oceano, para descobrir o meu limite, que afinal, chegou ao fim.

E enfim, não há um dia que eu não olhe o céu, a procura de estrelas que me levem pra casa, de qualquer maneira. Onde é sempre quentinho e sempre tenho o que eu preciso pra sobreviver. Mas todas as noites, antes de dormir, suspiro uma saudade diferente. Que só voltando pra casa para se concertar.

É perda, essa saudade. Perda do que deixei para trás e hoje quero voltar correndo. Que os suspiros têm doido e as estrelas já não sabem mais me levar pra casa. E esse inverno rigoroso, tem machucado as minhas mãos, ao ressecá-las. Meu coração tem sentido a ausência de cada um. Silêncio doloroso.

Não há nem sequer uma alma viva que possa salvar. E os chocolates são inúteis, uma vez que eles acabam rápido demais. Eu suspiro vida, uma vida de saudade. Meu coração se lamenta e as estrelas se desculpam. Só guardo essa vontade irracional de fazer as gordas malas e voltar pra casa. Contar que convivi com demônios, mas eles, meus anjos, me salvaram.

O fato é, eu vim em busca de algo maior e descobri que meu maior, esta em casa. Que eu posso percorrer o mundo e conhecer lugares extraordinários. Mas ninguém sobrevive de saudade e não existe lugar como a nossa casa. Das coisas mais marcantes que eu aprendi, é a mesma coisa que esta escrita no titulo de um livro qualquer “tra Il cuore e le estelle”.


Valdagno, 13 de dezembro de 2009. 21:49.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Não me faça mais ficar. Só isso.

Acho que eu procurei demais sorrir. Procurei tanto, que encontrei qualquer tipo de sorriso, qualquer tipo de máscara, mas nenhuma que eu deveria realmente usar. Encontrei tanto deles em mim, que de mim, não encontrei nada. Talvez eu tenha encontrado um bilhete de “volto logo” que eu escrevi antes de vir e deixei sobre a mesa.

Qual eram os sinônimos que eu queria usar? Porque eu já nem lembro se eu gostaria de usar palavras aqui. Não sou mais capaz de escrever, pois eu sou realmente cansada. Cansada do mundo e de mim. O sol não me esquenta mais, é um pouco inútil, sabe?

Amorteça minha queda, que eu estou caindo de muito alto. Andei sem olhar pra onde andava, porque já não tinha mais como procurar chão, uma vez que comecei a andar sobre nuvens. Mas e agora? As nuvens sumiram, choveram. E eu fiquei a cair, mas meu chão não chega e eu não sei voar, ninguém nunca me ensinou.

Então faz assim, fecha a porta e vem me buscar. Mas não passa a chave, porque não quero ficar esperando a porta se abrir, quero correr pra minha vida novamente. Faz assim, corre e pega a minha mão, mas não larga mais, por favor! Que a vida tá difícil e sei que longe, fica mais difícil ainda.

Não tenho mais medo de encarar a verdade quando eu voltar, porque agora eu tenho sede de construir meu mundo. Meu mundo inteiro, com todos ou nenhum. Mas que venham e façam valer a pena, todos os que vierem. Que olha só, eu preciso voltar, encarar a minha vida. Eu já tinha que aprender tudo o que eu podia. Só me resta fazer as malas e voltar. Nada vai me prender aqui, nada.

Faz assim, faz. Vem me buscar e antes de voltarmos, senta do meu lado e vamos olhar o sol se pondo, uma ultima vez, nessa terra tão distante de casa. Mas enquanto isso, não solta minha mão, não solta nunca mais.


Valdagno, 2 de dezembro de 2009. 21:14