sábado, 24 de abril de 2010

Descasos atatos entre nós de corda.

Vício sereno, das coisas, de você. Vício dos vendavais bem planejados, dos destroços esquecidos pelo mundo afora. Vício do simples sonho, do simples lugar tão mais distante para nós. Do lugar mais impossível. Vício do errado, incorreto e proibido. Das almas dilaceradas, dos portos abandonados e mares enraivecidos. Vício dos primeiros dias, das primeiras luzes, do primeiro nós. Nós dois.

Abstratos sentimentos umedecidos com solidão momentânea e de vez em quando, até mesmo com um pouco de incerteza, desinteresse. Águas passadas que às vezes voltam apenas para dizer “bom dia” e causar chuvas de dias, que machucam as tantas esperanças feridas. Sentimentos encharcados de vida, luz, cor. Obsoleta maneira de dizer ao coração cansado de tantas derrotas, que o caminho certo é só seguir em frente, caminhando entre as armadilhas e dentre a floresta densa.

Somos parte do ontem, do hoje, do amanhã. Do nunca, do para sempre, mesmo que sejam idéias ludibriadas. Recolhemos as certezas, incertezas. Os jamais. Degolamos vontades, ultrapassamos resquícios de uma memória boa, porém passada. Percorremos o espaço, talvez até alcançássemos a velocidade da luz. Alcançássemos um lugar maior, mais vasto. Mas óbvio.

Bastardos de uma própria fúria, de um coração queimando em chamas, em calor. Uma vontade de ser mais, de ter mais. Obstruímos detalhes prováveis, deixando-se cair numa incerteza de se o amanhã ainda irá chegar.

E ao fechar a porta atrás de mim ao sair, encontro-me com mil porquês de manter assim essa vida de nós atados. Uma vida de vontades inesperadas. Encontro-me com cor e sentido para coisas sem razão. Encontro-me desorientada, porém, bem certa de onde percorrer.

Apesar de tudo, talvez te ver dormir seja meu calmante.


Curitiba, 24 de abril de 2010. 15:58

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Enquanto o trem escorrega pra Milão.

O trem vai deixando essa cidade para trás, cidade dura. Dura como pedra. E afinal, eu só quis descobrir todo esse tempo, quais histórias eu vim à procura. Mas a velocidade desse trem não se importa se me dói ou não deixar lembranças ou não deixar nada, ele só quer me levar pra onde o céu é maior.

E se o céu era maior aqui? Ou melhor, havia céu? Eram nuvens, era vida. Era vida? Eu era a senhora confusão e ainda sou, mesmo nesse trem cheio de pessoas e nenhuma história ou nenhum ouvido para escutar. Minha cabeça lateja tanto, mas tanto. Acho que estou cansada dessa paisagem, me leve pra outro lugar, cansei de só ver o norte.

O que temos para nós mesmos, além de nós? Agora eu sei mais do que nunca, que naquela cidade eu lidei com os demônios, com os dragões, lutei com as tempestades. Lutei com o mundo que me propunham. Mas senti falta todos os dias, de um cheirinho gostoso, do cheirinho de nós.

Hoje está nublado e a chuva não quer cair, é como criança que quer brincar de ser forte. Nem muito frio faz, porém deixa a Europa com cara de Europa. O mundo corre pra se esconder da dor e ninguém para pra pensar que fugir não é a melhor solução. Mas fugir do que? Da vida, eu diria... Da vida que criamos, da vida que criei.

A gente brinca de ser grande, de não se importar. Mas quando tudo acaba o que mais queremos é um abraço, um colo. Mesmo quando nos decepcionam. A vida é essa praga, que vai embora quando você menos espera, que te faz voltar.

Voltar de onde e para onde? Voltamos um dia, para falar italiano, para rir de coisas absurdas. Para chegar no meio do nada e ver o coração quebrado. Não, ninguém o quebrou, apenas nunca o colaram de volta.

Aquela cidade está longe agora, tão longe. Eu nunca me entendi com eles, ou melhor, com aquela casa. Onde dias de tristeza me tomavam conta. Me importar pra que? A solidão destrói do mesmo jeito e vai ferir, fazer sangrar da mesma maneira.

Os abraços que não dei, os beijos que contei, as risadas que compartilhei, contaram histórias para décadas. Onde me orgulharei de cada descoberta, cada segundo. Mesmo das dificuldades que enfrentei e superei. Porque na verdade, não estamos nunca sozinhos. Sempre tem alguma mão que segura a nossa.

Hoje o dia vai indo embora, assim como sempre acontece. A cidade vai cansando e logo mais, se preparando para dormir. Mas já não tem mais problema, que os dias não choram. A ausência não dói, pois amanhã, eu estou voltando pra casa.


No trem para Milão, 12 de janeiro de 2010. 12:58

domingo, 11 de abril de 2010

Seus passos arrastados.

Eu coloquei a sua melhor camisa e enfeitei meu pulso com o seu relógio. Saí bonita, só para me mostrar ou talvez, te mostrar. Segui tranqüila, enquanto sua camisa ainda mantém seu perfume e seu relógio notoriamente, ainda guarda suas digitais. Guardam resquícios seus, quando nesse mundo você já não caminha mais.

Deixei a saudade chegar devagarzinho e até se acomodar. Porém, foi só fechar os olhos que já senti aquele cheiro de cigarro impregnando minhas narinas e o barulho de seus passos arrastados, depois de um dia tranqüilo. Escutei sua voz, como se você estivesse aqui do meu lado, fazendo a mesma velha pergunta “como vai a escola?”. Vô, a escola vai bem, minha vida vai bem.

Às vezes eu me lembro de chorar a sua falta, porém muitas outras, eu me lembro de sorrir porque você sempre gostou do som da minha risada. Eu não tive tempo de sorrir bonito pra ti uma última vez, vô. E isso me mata todos os dias, todas as noites quando meu sono não vem.

Sabe, ainda não tive coragem de voltar na sua casa, vô. Não tive. Porque ela sem você não tem sentido. É como querer escrever e não ter uma caneta ou um lápis. É como escutar música e não ter um rádio. Ir lá e não te ver é a solidão se sentando ao meu lado, as lágrimas me dominando. É a saudade irreversível gritando.

Os seus passos ainda estão rangendo a madeira do corredor, suas malas ainda estão feitas do lado da porta. Meus braços ainda estão abertos te esperando, para um último encontro.

- Minha eterna maneira de escorrer sentimentos.


Curitiba, 11 de abril de 2010. 19:18