segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Abram o paraíso, meu avô está chegando.

Poxa vô, não, te chamarei de dido, como a minha vida inteira te chamei. Dido, vô em ucraniano. Poxa dido, como você tá, hein? Você estava me esperando, né? Era por isso que você queria tanto que eu voltasse, porque você queria me ver uma última vez. Mesmo que eu tenha quebrado a promessa do “volto semana que vem”.

Ah dido, nunca tive coragem de te ver no hospital. Era dolorosa a idéia de ver meu guerreiro, ali, beirando ao paraíso. Acho que nunca imaginei que o senhor, meu guerreiro, iria perder uma batalha. Você era tão invencível, dido! Cheio de vida, mesmo quando as coisas não iam tão bem. Quando seu pulmão já estava machucado e seus problemas se aconchegavam.

Ah dido, eu me lembro da sua voz grossa, perguntando como estou. Dos seus abraços fortes, que sempre me acolhiam, dos almoços de domingo, que você insistia sempre em ter uma boa carne e ter aquelas músicas gaúchas horrorosas. Das vezes que o senhor gostava de beber demais. E como você gostava de uma cervejinha aos domingos!

Eu me lembro dos passos arrastados pelo chão de madeira na sua casa. Casa que você construiu com as suas próprias mãos, quando mais novo. Eu me lembro do Jornal Nacional que assistia antes de dormir e que você quase dormia assistindo. Ah dido, eu lembro que você acordava tão cedo e nunca fazia barulho, quando eu dormia na sala.

Ah meu dido, meu guerreiro. Ontem eu fiquei horas a fio chorando no seu paiol. Estava tudo exatamente do jeitinho que você deixou. Sem nenhuma mudança. Como se tudo ali, estivesse simplesmente te esperando, para terminar o armário que estava fazendo.

E eu sentei naquela sua cadeira e fiquei olhando o nada, conversando em voz alta contigo. Dido, eu nem sei se você escutou, mas eu conversei. Perguntei tantas vezes porque você foi embora tão cedo! E você queria tanto que eu voltasse da Itália, dido. Aí, eu resolvi voltar e lá no fundo, era por ti! Você me esperou, né dido? Você só queria que eu voltasse, para aí partir.

Você quis se despedir, dido. Eu sei. Você me deu um último abraço forte, ah se eu soubesse que seria o último eu teria ficado um pouco mais. Pedido um café e feito você e a baba me contarem suas histórias, sobre a nossa família ucraniana. Eu teria pedido para você me ensinar algo mais, do que só baba e dido em ucraniano.

Ah dido, se você soubesse a falta que está me fazendo! Cada centímetro do meu corpo está doendo e meus choros se misturam com fajutas tentativas de gargalhar. Volta meu guerreiro, volta pra mim. Eu sinto a sua falta. A vida descoloriu, perdeu a graça.

Acho que ainda não acredito, sabe dido? Não acredito que você foi embora. E eu não pude nem me despedir. Fiquei com tanto medo de te ver deitado, incapacitado numa cama de hospital. Eu nunca tive a chance de perguntar se eles te tratavam como rei, assim como o senhor é. E você tinha até feito as malas para voltar para casa, né dido?

Porque me deixou, hein? Eu tô com saudade. Saudade de você me ensinar a martelar e a serrar uma madeira e de você sempre comer com o prato fundo e colher. Estou com saudades de te ver, ao chegar à casa sua e da baba, sentado na mesma velha cadeira, fumando seus cigarros. Entrando, no final da tarde, apenas para tomar o café e comer o pão, que a baba fazia com tanto carinho.

Eu estou te procurando tanto em cada canto, mas eu não te acho! E o lugar onde mais eu te encontrei, foi no paiol. Eu me despedi do senhor lá, dido. Foi lá. Sei que entre choros e risadas, será lá que eu irei te encontrar, sempre que eu quiser. Lá é onde o senhor vai estar. É lá.

Ah dido, se eu pudesse ter dito a ti que eu te amo, uma última vez. Só isso. Eu não quis te dizer isso, ao te ver ali, imóvel. Sem poder me olhar, sem nem saber que eu estava ali. Dido, você foi grande e sei que algo lá em cima está cuidado de ti, eu sei!

Mesmo que eu não acredite em Deus, você acreditava e a baba disse que Deus é grande e sabe o que faz. E se para você ele existia, eu sei que ele tá te protegendo e te dando todo o paraíso que você sempre mereceu. Espero que cuidem de ti, dido. Mais tarde a gente se encontra, eu sei que sim.

Eu te amo muito dido e será difícil sem você. Já está sendo. Eu te amo além do muito, te amo mais que o incompreensível. Não me deixe, tá dido? Não me deixe jamais.

“Meu guerreiro largou a espada e saudade foi o que deixou”.


14 de fevereiro de 2010, meu guerreiro, meu dido descansou em paz.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Perdi o dom da escrita, por enquanto.

Perdi o dom de escrever, assim como perdi o dom de dormir nas madrugadas. Perdi o dom de escutar risadas e daí escrever sobre elas. Sobre o som, sobre o mundo que se colore ao efeito de uma única pessoa, uma única voz. Um único sorriso.

Tenho trocado enormes xícaras de café, por enormes taças de sorvete. E cada vez mais, tenho perdido a fome durante o dia, junto com a vontade de sair. De vez em quando deduzo que esse sol me entedie ou talvez esse calor simplesmente me faça ter vontade de ficar. Ficar e respirar um pouco, ficar e respirar quase nada.

Sei que eu tenho perdido o dom de transformar sentimentos em palavras. Estou me sentindo trancada, sufocada. Sem inspiração! O que seria a maior mentira que eu poderia contar, visto que minha inspiração tem sido cada vez mais frenética. Mas acho que troquei as palavras, por cores numa tela branca. Por azuis, vermelhos e laranjas. Por roxos e amarelos.

Ouço a porta batendo e lá vou eu atender de novo e novamente, meu sorriso não se abre e nem sinto cheiro de rosas novas. Novamente não é ninguém interessante, assim como nunca tem nada na televisão, ultimamente nada tem batido na porta. Assim me abrigo nessa casa faz uma semana, exatamente. Parece mais fácil, não?

Fácil do que, eu gostaria de saber. Andar de pijama o dia inteiro e devorar livros, com tal voracidade que até ganho da minha irmã. Engolir programas de televisão e filmes esquecidos, até então, na prateleira. Molhar os olhos com tempestades de lágrimas ao ler velhas cartas, velhos textos. E toda madrugada perder o sono, simplesmente por perder. Simplesmente por não querer dormir.

Mas quando eu fecho os olhos, ah! Quando eu fecho os olhos, eu tenho aquele mundo inteiro aqui comigo, todas aquelas risadas, aquelas vozes. Quando eu fecho os olhos, o mundo inteiro pára e me alucino dentro dos meus próprios sonhos. E quando o sono vai embora e eu volto a realidade, apenas pego novamente aquela caneta e aquele papel, para fazer listas e roteiros, de todas aquelas viagens.

Eu já não sei escrever, perdi o dom, porque a inspiração continua aqui. Só esqueci como se coloca palavras atrás de palavras. E quer saber, não vou mais tentar ficar aqui por hoje, vou ali do lado, acabei de me lembrar de um filme de terror pra assistir e quero anotar o nome antes de me esquecer.


Curitiba, 12 de fevereiro de 2010. 2:49 am.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Todos nós precisamos de amor.

Os inimigos da solidão teimam tanto em não serem sozinhos, que procuram sempre serem rodeados de pessoas, de risadas. Procuram tanto, que nunca encontram e no meio de uma multidão absurda, se sentem sozinhos. É como se nada bastasse – e talvez, isso fosse verdade.

Intrigante noite estrelada, encantada eu diria. E esse calor insuportável não vai embora, não quer ir. É o aquecimento global – diriam os bons curitibanos. Eu concordaria, mas acrescentaria dizendo que é também a solidão. Solidão dos infelizes, dos solitários. Dos buscadores de felicidade alguma.

E não há ninguém para dividir um sorvete ou caminhar na praia, deixando as ondas baterem nos pés. Não há ninguém capaz de dividir uma cama, numa noite de extremo calor. Mas é fato, é preciso haver calor, para gostar do frio. De estar longe, para começar a gosta de casa. Precisa ir embora, para querer voltar.

Acho que a solidão, assim como qualquer sentimento, é como um ventilador. Você o deixa ligado, faz aquela brisa e quem sabe, até acaba abafando ainda mais o quarto. Porém, um belo dia, você o desliga. Aí a brisa vai embora, deixando o calor do dia te sufocar ou o frescor da noite te acalmar.

Erramos tanto, que acabamos pensando que ser sozinho é a melhor. Mas espera, melhor para que mesmo? Somos tão egoístas a ponto de querer serenidade, tranqüilidade e apenas em nós? Podemos não precisar da solidão, podemos não precisar ter medo do amor.

Sinceramente, podemos não ligar o ventilador numa noite fresca, e apontá-lo diretamente para a janela, deixando o quarto abafado, ao fazê-lo afastar o novo ar. Podemos desligá-lo e deixar o frescor entrar, dormir olhando para a lua. Podemos não nos importar se amanhã será como esperamos ou não.

Não precisamos ser sozinhos, para sermos mais feliz. Precisamos de alguém, que nos apóie, que converse sobre qualquer coisa. Precisamos de mais magia, de mais filmes e mais músicas. De dançar a noite inteira e deixar a perna doer no dia seguinte. Precisamos de amor, mesmo que a sua forma de amar, seja a mais complicada possível.


Curitiba, 3 de fevereiro de 2010. 3:14