- Eu não sou o homem da tua vida!
Acho que foi aí - ou pelo menos deveria ter sido -, o
momento em que eu tinha de ter pensado um pouco mais sobre aquela imagem
distorcida de nós dois.
Hoje acordei cedo, arrumei a cama, abri a janela e sorri para
o sol de primavera. Em passos curtos e um pouco desajeitados, cheguei à cozinha
e me servi de café. Preto. Duas colherzinhas de açúcar. Me sentei à mesa,
enquanto meus pais faziam suas tarefas rotineiras. Observei de longe, absorta
em pensamentos. Olhava o café sorrindo pra mim.
No que eu pensava? Bem, tão simples.
O que acontece é que esta manhã despertei cedo e em prantos.
Meu sonho foi tão claro quanto um filme em alta resolução. Nele eu estava
sentada numa longa fileira de cadeiras, quando me dei conta, era um casamento.
Dele. Com ela. O pouco que eu lembro, foi que tentei impedir o casamento, assim
como tentar entender o motivo deste. Mas já? Porque ela? Como assim não eu? O
sonho acabou quando ouvi dos próprios pais dele, que ambos tinham uma conexão
antes mesmo do nosso término.
Fim. Voltemos ao café.
O café estava entre o amargo e o doce, do jeito como eu
gosto. Apreciei a manhã, que ainda tinha um sol manhoso. O vento de quase boas-vindas
ao verão. Analisei a vida, como ela é – ou ao menos como tem estado no momento.
Respirei. Acho inclusive que aproveitei para comer uma fatia de abacaxi, mas
receio não ter combinado com o café. Continuei com a minha xícara entre as
mãos. De repente, minha mãe fala algo do tipo “... não da mais...” para o meu
pai. Não prestei atenção no antes e no depois dessa frase quase desconexa assim
sozinha.
Pensei.
Voltei pro quarto, fechei a porta e liguei o rádio – naquela
preguiça de escolher algo para escutar. Não lembro o que estava tocando. Olhei
pra fora da janela. Pensei. Pensei que não é mais para o nosso ex-amor ser
ferida aberta no meu peito. Não posso mais te contar os meus anseios e nem
dividir a minha dor. Você partiu, pronto, acabou. Olhei pra dentro do quarto e
meu gatinho subiu na cama, sua pelagem acariciou meus braços. Admirei. Voltei
os olhos para o mundo exterior.
Cadê você, afinal? Soube que andou pelas ruas dessa cidade,
de mãos dadas ou não, com outro alguém. Cadê você que diz tanto se importar,
mas não se interessou mais sobre se meus cabelos estão compridos.
Pensei.
Hoje eu sei - mas sempre soube - o quão difícil eu era de lidar, mas você também criou buracos
dentro de mim e o que nos difere, é simplesmente que quando pra você tudo
perdeu o sentido, eu ainda continuava tentando. Tentei tanto, que mesmo hoje,
com mãos ensanguentadas e um coração remendado, ainda tento. Você atravessou a
porta para nunca mais voltar. Não quis mais preencher o lado esquerdo da cama.
Respirei. Sequei as lágrimas das bochechas. Cozinha. Xícara.
Café. Janela do quarto.
Não me venha com já estávamos em pedaços. Morremos, pois nos
deixamos morrer. Insistir num amor morto é suicídio, mas matá-lo é crime e o
matamos. Ambos sujamos nossas mãos. E agora você vem contar que achou um outro
alguém, que ela que era um ombro amigo, virou o brilho que lhe faltava.
Pausa. Chorar. Chorar. Chorar.
Mas aí, pensando bem, lembrei:
- Eu não sou o homem da tua vida.
- Eu não sou o homem da tua vida.
Respira. Raiva.
De coisas que um dia já ouvi, vindas de ti ou de qualquer
um, essa é uma daquelas frases que ecoam na minha cabeça. Se eu fechar os
olhos, encontro a tua imagem totalmente apática, na porta da cozinha, e a tua
voz ao me dizer estas palavras, me soa tão viva. Amar loucamente alguém que com
tal frieza anunciou algo tão importante? Não que para sempre fosse, mas no
momento, você era. Você nunca soube distinguir o que éramos no momento. Quem
diria que um novo lugar te desconstruiria tanto?
Xícara vazia posta em cima da mesa.
Pensando bem, não, você realmente não é. Não porque não era
o teu destino ser o homem da minha vida, mas sim porque você não quis ser. Não
posso amar tanto assim alguém que simplesmente escolheu que não.
Olhos marejados. Sorri.
Curitiba, 5 de novembro de 2014. 2:43